Artur de Azevedo
A VIÚVA DO ESTANISLAU
Por ocasião da morte do marido, aquele pobre Estanislau, que,
depois de uma luta horrível, foi afinal vencido pela tuberculose, Adelaide
parecia que ia também morrer. Dizia-se que ela amava tanto o marido,
que fizera o possível para contrair a moléstia que o matou e acompanhá-lo
de perto no túmulo. Emagreceu a olhos vistos, e toda a gente contava
que, mais dia menos dia, Deus lhe fizesse a vontade; mas o tempo, que tudo suaviza
e repara, foi mais forte que a dor, e ano e meio depois de enviuvar, Adelaide
estava rubicunda e linda como não estivera jamais.
O Estanislau deixou-a paupérrima. O pobre rapaz não
contava arrumar a trouxa tão cedo, ou, por outra, não teve com
que preparar o futuro. Enquanto viveu, nada faltou em casa; depois que ele morreu,
tudo faltou, e Adelaide, que felizmente não tinha filhos, aceitou a hospitalidade
que lhe ofereceram seus pais.
- Vem outra vez para o nosso lado, disseram-lhe os velhos; façamos
de conta que te não casaste.
Não tardou muito que aparecesse um namorado à viúva.
Era um excelente moço, o Miranda, que freqüentava a casa dos velhos
por ser funcionário da mesma secretaria onde o pai de Adelaide era chefe.
Foi com muita satisfação que este notou a simpatia que
o Miranda manifestava pela moça, e pulou de contente quando o rapaz,
um dia, na repartição, se abriu com ele, dizendo-lhe que ser seu
genro era o que mais ambicionava neste mundo.
O velho foi para casa alegre como um passarinho, e disse tudo à
mulher.
- Sabes, Henriqueta? O Miranda confessou-me hoje que gosta da Adelaide
e quer casar-se com ela. Estou satisfeitíssimo, porque nossa filha não
poderia encontrar melhor marido! Que me dizes?
- Digo que seu Miranda é uma sorte grande, mas duvido que
Adelaide aceite.
- Duvidas, por quê?
- Porque ela só pensa no Estanislau: é uma viúva
inconsolável. Engordou, tomou cores, goza saúde, mas aposto que
não admite que lhe falem noutro casamento.
- Deixe-a comigo; vou sondá-la.
O velho sondou-a, efetivamente, e reconheceu que D. Henriqueta
calculava bem.
- Não me fale em casamento, papai! Eu considerar-me-ia uma
mulher indigna se desse um substituto ao meu pobre Estanislau!
Mas o velho que não era peco, não se deixou vencer e
insistiu, lançando mão de quanto argumento lhe sugeriu a sua longa
experiência do mundo.
- Minha filha, numa terra de maldizentes como este Rio de Janeiro,
a reputação de uma viúva moça e bonita corre tantos
perigos, que a melhor resolução que tens a tomar, para fazer respeitar
a memória honrada do teu Estanislau, é casares-te em segundas
núpcias. Uma única dificuldade haveria para isso: o marido; mas
neste particular, minha filha, foste de uma fortuna fenomenal. O Miranda caiu-te
do céu! Olha, eu, se tivesse que escolher um genro, não escolheria
outro -, e tu, se te casares com ele, darás muito prazer a tua mãe,
e tornarás feliz a minha velhice.
Essas palavras, que acabaram molhadas de lágrimas de enternecimento,
calaram no ânimo de Adelaide, e na mesma noite, como a família
se achasse reunida na sala de jantar, e o Miranda presente, ela dirigiu-se a
este nos seguintes termos:
- Meu amigo, sei que o senhor gosta muito de mim e deseja ser meu
marido; sei que o nosso casamento daria muita satisfação a meus
pais; mas devo dizer-lhe que ainda amo o Estanislau como se ele estivesse vivo,
e não posso amar dois homens ao mesmo tempo.
Os velhos morderam os beiços; o Miranda remexeu-se na cadeira,
sem responder.
- Sei também que o senhor é um perfeito cavalheiro
e que nada lhe falta para ser um marido ideal; aprecio o seu caráter,
a sua bondade, a sua inteligência; mas, se nos casarmos, não poderei
levar-lhe o sentimento que todo o homem tem o direito de exigir no coração
da sua noiva. Se depois desta declaração leal e honesta, persiste
em querer ser meu esposo, aqui tem a minha mão.
- Aceito-a! respondeu prontamente o Miranda, tomando a mão
que lhe estendeu Adelaide. Aceito-a, porque - perdoe a minha vaidade - tenho
alguma confiança no meu merecimento, e espero conquistar o seu amor!
Casaram-se, e hoje, que estão unidos há um ano, podem
gabar-se - ela de ter tido verdadeiras surpresas fisiológicas, e ele
de ser amado como o Estanislau nunca o foi.
- Es então feliz, minha filha?
- Muito feliz, mamãe; o Miranda é tão bom
marido, que, lá no outro mundo, o Estanislau, se meteu a mão na
consciência, com certeza me perdoou.