A LUVA

Para o Augusto Belmont

Pensa na glória! Arfa-lhe o peito, opresso.
- O pensamento é uma locomotiva -
Tem a grandeza duma força viva
Correndo sem cessar para o Progresso.


Que importa que, contra ele, horrendo e preto
O áspide abjeto do Pesar se mova!...
E só, no quadrilátero da alcova,
Vem-lhe á imaginação este soneto:


"A princípio escrevia simplesmente
Para entreter o espírito... Escrevia
Mais por impulso de idiosincrasia
Do que por uma propulsão consciente.


Entendi, depois disso, que devia,
Como Vulcano, sobre a forja ardente
Da ilha de Lemnos, trabalhar contente,
Durante as vinte e quatro horas do dia!


Riam de mim, os monstros zombeteiros,
Trabalharei assim dias inteiros,
Sem ter uma alma só que me idolatre...


Tenha a sorte de Cícero proscrito
Ou morra embora, trágico e maldito,
Como Camões morrendo sobre um catre!"


Nisto, abre, em ânsias, a tumbal janela
E diz, olhando o céu que além se expande:
"- A maldade do mundo é muito grande,
Mas meu orgulho ainda é maior do que ela!


Ruja a boca danada da profana
Coorte dos homens, com o seu grande grito,
Que meu orgulho do alto do Infinito
Suplantará a própria espécie humana!


Quebro montanhas e aos tutões resisto
Numa absolta impassibilidade",
E como um desafio à eternidade
Atira a luva para o próprio Cristo!


Chove. Sobre a cidade geme a chuva,
Batem-lhe os nervos, sacudindo-o todo,
E na suprema convulsão o doudo
Parece aos astros atirar a luva!