III
OS DESCOBRIDORES
biblio A posição geográfica de Portugal
destinava-o à vida marítima, e data
da dominação romana o conhecimento
de ilhas alongadas ao Ocidente. Tradições
árabes memoram os Mogharriun, partidos de
Lisboa à cata de aventuras. A restauração
cristã produziu uma marinha nacional, que
alentaram e tornaram próspera a escolha da
barra do Tejo para escala da carreira de Flandres,
e a vinda de catalães e italianos chamados
a ensinar a náutica e a técnica. A
expedição contra Ceuta em 1415 reuniu
já centenas de embarcações
e milhares de marinheiros.
biblio Depois de tomada esta cidade à mourisma
infiel, atiraram-se os conquistadores para terras
africanas. Navios mandados do Algarve perlongaram
o litoral marroquino, conjuraram os terrores do
cabo Não, iluminaram o Saara nos bulcões
do mar Tenebroso, descobriram rios caudalosos, tratos
povoados, e as ilhas de Cabo Verde, verdes dentro
na zona tórrida, inabitável pelo calor
como o seu nome apregoava, inabitável por
sentença unânime dos filósofos
antigos, apanhados agora pela primeira vez em falsidade
flagrante. Culmina nesta fase heróica o infante
d. Henrique, filho de d. João I, e grão-mestre
da Ordem de Cristo. Dominava-o de um lado o desejo
de alargar as fronteiras do mundo conhecido, de
outro a esperança de alcançar um ponto
onde fenecesse o poderio do Crescente. Talvez aí
reinasse Preste João, o lendário imperador-sacerdote;
de mãos dadas realizariam a cruzada suprema
contra os inimigos hereditários da Cristandade,
já expulsos de quase toda a Espanha, mais
poderosos que nunca nas terras e mares orientais.
biblio O decurso dos descobrimentos precisou as
aspirações confusas do princípio.
Nos últimos anos do infante desenhou-se o
problema da Índia, vaga expressão
geográfica aplicada a todos os países
distribuídos da saída do mar Vermelho
ao reino de Catai e à ilha de Cipango. Os
rios possantes do continente agora conhecido, como
a franquearem vias de penetração indefinida,
a direção meridional da costa, como
a encurtar as distâncias, os numerosos dizeres
de prestigiosas cartas geográficas como a
balisarem o percurso a fazer-se, sugeriam a possibilidade
de lá chegar por novo caminho; e novo caminho
era urgente, pois se na Europa germano-latina continuava
forte a procura de especiarias, estofos, pérolas
finas, pedras preciosas, madeiras raras, de produtos
indianos, em uma palavra, as potências muçulmanas,
assentes nas estradas histórias que vinham
dar no Mediterrâneo, cada dia aumentavam as
exigências e requintavam de insolência,
espoliando os intermediários do comércio
do Levante, e atormentando os consumidores ocidentais.
biblio A idéia de chegar à Índia
atravessando a África, depois de ligeiras
tentativas, foi abandonada. Pensou-se lograr o mesmo
resultado circunavegando o continente negro. Contra
este plano insurgia-se o veto de Ptolomeu, afirmando
a ligação da Ásia e África
ao Sul, como no istmo de Suez ao Norte, fechando
por aquela parte o mar das Índias e transformando-o
em mediterrâneo. Mas ainda em dias de d. Henrique
um cartógrafo italiano protestou contra as
afirmações categóricas do astrônomo
alexandrino, e o descobrimento de Cabo Verde, o
contacto direto com a zona tórrida tinham
começado a emancipar os espíritos,
patenteando que o simples fato de proceder da antigüidade
não consagra inviolável e intangível
qualquer proposição.
biblio Enquanto se concatenavam estas noções
incertas formulou-se outra solução
do problema, já mencionada em escritores
gregos e latinos, e apoiada em autoridades sagradas
e pagãs. E idêntico, postulava, o oceano
ocidental da Europa e o oceano oriental da Ásia;
segundo as escrituras o espaço ocupado pelos
mares representa apenas uma fração
mínima comparado à terra firme, e
como o nosso planeta é esférico, o
caminho lógico e mais breve para a Índia
consiste em lançar-se impavidamente ao oceano,
amarar-se tanto para o poente até chegar
ao nascente. Tal viagem, além de mais breve,
seria mais cômoda, pois ilhas esparsas pontuavam
a derrota, algumas delas tamanhas como a Antilha,
representada nos portulanos mais fidedignos.
biblio Cristóvão Colombo apresentou
tal plano como novo aos portugueses, que não
o aceitaram; menos experientes, os espanhóis
acolheram o nauta genovês e deram-lhe os meios
de executá-lo.
biblio Partindo em 1492, descobriu algumas ilhas
e anos mais tarde o continente cobiçado,
o reino do grão Khan, segundo supunha.
biblio Entre a morte de d. Henrique e o reinado
de d. Afonso V (1460-1481) se não arrefeceu
o movimento descobridor, prosseguiu com muito menor
brilho: a elevação de d. João
II ao trono deu-lhe vida e calor. Terminava a terra
conhecida no cabo de Santa Catarina; 2º S.;
com poucos anos avançou-se vitoriosamente
para o trópico; em 1487 Bartolomeu Dias tornou
com a notícia de ter alcançado o fim
do continente africano. Já de volta, no extremo
Sul, quase perdera-se junto a um cabo e por isso
chamou-o das Tormentas. Das Tormentas, não!
protestou o rei de Portugal; da Boa Esperança.
biblio Mais que esperança, sentia certeza
agora de gozar breve do resultado de tantos esforços.
E tanta confiança nutria d. João II
de estar afinal achado o caminho da Índia
que não procedeu as novas verificações.
Preparou-se com toda a calma, construindo navios
aptos para os mares agitados do Oriente; fundiu
artilharia capaz de lutar contra os potentados indianos
e os navios árabes; emissários seus
visitaram o mar Vermelho, o golfo Pérsico,
a costa oriental da África, a costa de Malabar,
inquirindo, observando, reunindo notícias
frescas e fidedignas sobre o comércio, a
navegação. Um deles, Pero de Covilhã,
esteve no reino de Preste João, originariamente
procurado na Ásia central, encarnado agora
no dinasta da Abissínia.
biblio D. João
II nada confiou do acaso. A volta triunfal de Colombo
em 1493 pouco influiu sobre os planos do rei. Se
protestou contra a divisão do mundo promulgada
por Alexandre VI, julgando postergados seus direitos;
se mandou alguma expedição clandestina
ao Ocidente, como parece verificado; bastaram o
aspecto dos naturais e sua barbárie visível,
os produtos recolhidos e os países descobertos,
tão diferentes de tudo o que os seus emissários
vinham de apurar, para não lhe deixarem dúvidas
de que a Índia procurada pelos portugueses
não se confundia com a Índia achada
pelos espanhóis. Ao falecer em 1495, o Príncipe
Perfeito deixou ao seu sucessor, d. Manuel, o simples
trabalho de saborear o fruto sazonado. Do mesmo
modo Vasco da Gama apenas continuou a senda dez
anos antes aberta por Bartolomeu Dias (1497-1499).
biblio A chegada de Vasco da Gama com as embarcações
carregadas de lídimos produtos indianos mostrou
a sabedoria e a previdência de d. João
II, preferindo a qualquer outro o caminho indicado
pelo cabo de Boa Esperança; sobre os espanhóis
não parece ter exercido igual impressão,
pois continuaram no mesmo empenho primitivo de chegar
ao Oriente navegando sempre para o Ocidente.
biblio Temos, pois, duas correntes históricas
bem definidas, originárias ambas da península
ibérica: uma ocidental, outra meridional.
Desembocaram ambas no Brasil. Seguindo a corrente
ocidental, apenas procuraram baixas latitudes os
espanhóis cortaram a linha, e alcançaram
o hemisfério do Sul com Vicente Yañez
Pinzon. Seguindo a corrente do Sul, os portugueses,
induzidos a amarar-se à procura de ventos
mais francos para dobrar o cabo, encontraram a zona
dos alísios e vieram dar no hemisfério
ocidental com Pedro Álvares Cabral. Ambos
os casos ocorreram no mesmo ano.
biblio Interessa-nos apenas Pedr’Álvares.
biblio Comandando uma armada de treze navios partiu
de Belém segunda-feira, 9 de março
de 1500. O domingo passara-se em festas populares.
O rei tivera a seu lado na tribuna o capitão-mor,
pusera-lhe na cabeça um barrete bento mandado
pelo papa, entregara-lhe uma bandeira com as armas
reais e a cruz da Ordem de Cristo, a Ordem de d.
Henrique, o descobridor. Sentia-se bem a importância
desta frota, a maior saída até então
para terras alongadas.
biblio Mil e quinhentos soldados, negociantes aventurosos,
aventureiros mercadorias variadas, dinheiro amoedado,
revelavam o duplo caráter da expedição:
pacífica, se na Índia preferissem
a lisura e o comércio honesto, belicosa,
se quisessem recorrer às armas. Alguns franciscanos,
tendo por guardião frei Henrique de Coimbra,
comunicavam ao conjunto a sagração
religiosa.
biblio A 14 foram avistadas as Canárias,
a 22 as ilhas de Cabo Verde. Um mês mais tarde,
a 21 de abril, boiaram ervas marinhas muito compridas,
sinais de proximidade de terra, no dia seguinte
confirmados por aves, e realizados à tarde.
“Neste dia, a horas de véspera, houvemos
vista de terra: primeiramente dum grande monte mui
alto e redondo e doutras serras mais baixas do Sul
delle, e de terra chã com grandes arvoredos,
ao qual monte alto o capitão poz nome monte
Paschoal”, escreve Pero Vaz de Caminha, testemunha
de vista, escrivão da feitoria a fundar em
Calecut. Ao sol posto surgiram em 23 braças,
ancoragem limpa. O monte Pascoal, no Estado da Bahia,
é visível a mais de sessenta milhas
do mar.
biblio Na quinta-feira continuou a derrota lenta
e cuidadosamente, indo os navios menores adiante,
sondando.
biblio A distância de meia légua, em
direito à boca de um rio, fundearam. Nicolau
Coelho, companheiro de Vasco da Gama, desembarcou
e pôde observar alguns naturais, atraídos
pela curiosidade, dar e receber presentes.
biblio Um sudoeste acompanhado de chuvaceiros mostrou
a conveniência de procurar situação
mais abrigada. Sexta-feira velejaram para o Norte,
os navios maiores mais afastados, os navios menores
mais chegados à terra; ao pôr do sol,
em distância de dez léguas, encontraram
um recife, abrigando um porto de larga entrada.
“Ao sabbado pela manhã mandou o capitão
fazer vella, e fomos demandar a entrada, a qual
era muito larga e alta, 6 e 7 braças, e entraram
todalas naus dentro e ancoraram-se em 5 e 6 braças,
a qual ancoragem dentro é tão grande
e tão fremosa e tão segura que podem
jazer dentro mais de duzentos navios e naus”.
O nome de Porto-Seguro, dado pelo capitão-mor,
resume bem suas impressões; ainda o conserva
uma localidade vizinha.
biblio Em um ilhéu da baía, construído
um altar, cantou-se missa domingo da Pascoela, 26.
Frei Henrique pregou sobre o evangelho do dia. A
ressurreição do Salvador, as aparições
misteriosas aos discípulos, a incredulidade
de Tomé, o apóstolo das Índias,
diziam bem com sua situação estranha.
No fim da pregação o frade “tratou
da nossa vinda, e do achamento desta terra, conformando-se
com o signal da cruz, sob cuja obediência
viemos”. A bandeira de Cristo com que o capitão-mor
saiu de Belém esteve sempre alta à
parte do Evangelho.
biblio Reuniram-se a bordo da capitânea os
comandantes dos outros navios, e o capitão-mor
perguntou se conviria mandar a el-rei a nova do
achamento da terra pelo navio de mantimentos, para
S. A. a mandar descobrir. Concordaram que sim. Os
dias seguintes passaram-se na baldeação
dos gêneros e na lavrança de uma cruz
para assinalar a posse tomada em nome da coroa de
Portugal.
biblio A cruz foi chantada a 1 de maio: a 2, partiram
o navio mandado ao Reino e a poderosa frota para
a Índia, deixando lacrimosos dois degradados
incumbidos de inquirirem da terra e irem aprendendo
a língua; alguns marujos desertaram, segundo
parece.
biblio As seguintes palavras de Caminha representam
as reflexões de um espírito superior
ante esses dias e espetáculos extraordinários:
biblio “N’ella [terra] até agora
não podemos saber que haja ouro, nem prata,
nem nenhuma cousa de metal, nem de ferro lho vimos;
pero a terra em si é de muitos boos ares
assi frios e temperados como os d’antre Doiro
e Minho, porque n’este tempo de agora assi
os achavamos como os de lá; águas
são muitas infindas e em tal maneira é
graciosa que querendo a aproveitar dar-se-á
n’ella tudo por bem das aguas que tem; pero
o melhor fruito que n’nella se pode fazer
me parece que será salvar esta gente; e esta
deve ser a principal semente que Vossa Alteza em
ella deve lançar, e que hi non houvesse mais
ca ter aqui esta pousada pera esta navegação
de Calecut abastaria, quanto mais disposição
para se n’ella cumprir e fazer o que Vossa
Alteza tanto deseja, s. o acrescentamento de nossa
santa fé.”
biblio A vantagem da situação geográfica
da nova terra para as navegações da
Índia, o modo de aproveitá-la trazendo
sementes do Reino, o problema do indígena,
sua incorporação pelo cristianismo,
aí ficam definidos com toda a precisão.
biblio A armada do capitão-mor fêz-se
rumo do cabo de Boa Esperança, acompanhando
a costa da terra nova por largo espaço, duas
mil milhas, calculou um companheiro de expedição.
biblio O navio de mantimento seguiu para o Nordeste,
naturalmente sem perder de vista a terra e talvez
realizando desembarques.
biblio E’ possível mesmo haja encontrado
Diego de Lepe ou algum outro viajante espanhol.
O descobrimento dos portugueses já figura
no mapa de Juan de la Cosa, terminado em outubro
de 1500.
biblioEm meados do ano seguinte, partiu de Portugal
uma armada de três navios a explorar a nova
ilha da Cruz ou Vera Cruz e encontrou-se em Beseguiche
com Pedr’Álvares Cabral, já
de volta da Índia. Se o descobridor e os
futuros exploradores permutaram impressões,
deviam ter reconhecido a existência não
de ilha, mas de continente. Diferente dos outros?
As respostas não podiam sair claras, pois
o oceano Pacífico estava por descobrir. Duarte
Pacheco, o herói de Cambalão, companheiro
de Cabral, alguns anos mais tarde ainda guardava
a imagem tradicional do mundo: vastas massas de
terra, interrompidas por mediterrâneos, abertos
em rumos diversos, semelhando lagoas enormes.
biblio A expedição exploradora depois
de travessia tormentosa aportou ao litoral do Rio
Grande do Norte e procurou regiões mais temperadas,
dando nomes aos lugares descobertos, tirados uns
do calendário — S. Roque, S. Jerônimo,
S. Francisco, baía de Todos-os-Santos, cabo
de S. Tomé, angra dos Reis; tirados outros
de impressões e acidentes de viagem —
rio Real, cabo Frio, baía Formosa, etc. Os
exploradores, segundo parece, nunca perderam de
vista a serra do Mar. Durante muitos anos figurou
nos mapas como último ponto conhecido Cananor,
que bem pode ser a atual Cananéia, em S.
Paulo; calculou-se a extensão percorrida
em duas mil e quinhentas milhas. Esta exploração
mais demorada confirmou em quase tudo as palavras
de Caminha. Apenas os naturais apareceram à
nova luz, selvagens, rancorosos, sanguinários
e antropófagos, material mais próprio
para escravatura do que para a conversão.
biblio Depois de voltar esta armada a coroa resolveu
arrendar a terra por um triênio; os arrendatários
comprometeram-se a mandar anualmente seis navios
a descobrir trezentas léguas e a fazer e
sustentar uma fortaleza. Fundavam seus cálculos
no lucro produzido por escravos, por animais curiosos
e pelo pau-brasil, de que os primeiros exploradores
levariam algum carregamento, e também na
vaga esperança de poderem chegar à
Índia por este caminho.
biblio Em 1503 veio de fato uma frota de seis embarcações,
reduzidas logo à metade pelo naufrágio
da capitânea, junto à ilha depois chamada
Fernão de Noronha, e pela defecção
de Vespucci, de quem o continente deveria tomar
o nome. Talvez algum dos navios restantes iniciasse
a exploração do cabo de S. Roque à
procura do Equador. De certo nada se sabe; no mencionado
trecho da costa escaparam ao esquecimento apenas
alguns nomes, como o de João de Lisboa, João
Coelho e Corso, desacompanhados de qualquer informação.
A falta de portos, a dificuldade de navegação
devida ao regime dos ventos, e a impressão
de esterilidade colhida de bordo não provocavam
a amiudar visitas naquela direção;
os dizeres dos mapas contemporâneos ou rareiam
ou apenas indicam passagens de largo.
biblio Em 1506 a terra do Brasil, arrendada a Fernão
de Noronha e outros cristãos novos, produzia
vinte mil quintais de madeira vermelha, vendida
a 2 1/3 e 3 ducados o quintal; cada quintal custava
½ ducado posto em Lisboa. Os arrendatários
pagavam quatro mil ducados à coroa.
biblio Anos mais tarde, pensou-se em dar liberdade
aos que quisessem vir tentar fortuna, pagando apenas
um quinto dos gêneros levados. A este regime
já obedeceu, talvez, a nau Bretoa, armada
por Bartolomeu Marchioni, Benedito Morelli, Fernão
de Noronha e Francisco Martins, mandada a Cabo Frio
em começo de 1511. Sobre ela existem documentos.
biblioTinha a nau capitão, escrivão,
mestre e piloto, responsáveis solidariamente
pela execução do regimento; treze
marinheiros, quatorze grumetes, quatro pagens, um
dispenseiro. Nem à ida nem à volta
podia tocar em qualquer porto intermediário,
salvo caso de falta de vitualhas, temporais ou desarranjo.
Era permitido à companha resgatar com facas,
tesouras e outras ferramentas depois de estar completa
a carga dos armadores da nau. Podia resgatar papagaios,
gatos e, com licença dos armadores, também
escravos; vedado era o comércio de armas
de guerra.
biblio À chegada em terra a carga ficava
entregue ao feitor; qualquer resgate dependia da
autorização deste. Recomendava-se
o maior cuidado em não fazerem mal ou dano
aos indígenas; não levarem mais naturais
livres para o Reino, porque falecendo em viagem
cuidavam os parentes terem sido comidos, como era
seu costume; não deixarem que da gente da
nau alguém se lançasse na terra ou
nela ficasse, como alguns já fizeram, coisa
muito odiosa ao trato e serviço reais.
biblio A nau Bretoa partiu do Tejo a 22 de fevereiro;
fundeou de 17 de abril a 12 de maio na baía
de Todos-os-Santos; em 26 de maio chegou a Cabo
Frio, donde a 28 de julho partiu para Portugal.
Levou cinco mil toros de pau-brasil; vinte e dois
tuins, dezasseis sagüis, dezasseis gatos, quinze
papagaios, três macacos, tudo avaliado em
24$220 réis; quarenta peças de escravos,
na maioria mulheres, avaliados ao preço médio
de 40$: sobre todos estes semoventes arbitrou-se
o quinto, ainda no Brasil.
biblio O nome do Brasil já era bem conhecido
e figurava em portulanos anteriores às descobertas
dos portugueses; havia um nome à procura
de aplicação, exatamente como o de
Antilha, e isto explicaria a rapidez com que se
introduziu e vulgarizou, suplantando outras denominações,
como terra dos Papagaios, de Vera Cruz, ou Santa
Cruz, se a abundância de uma apreciada madeira
de tinturaria até então recebida por
via do Levante, e o comércio, sobre ele fundado
desde o comêço, não colaborassem
na propaganda, e talvez com maior eficácia.
biblio O pau-brasil reconheceu-se logo no litoral
de Paraíba e Pernambuco, nas cercanias do
rio Real, do Cabo Frio ao Rio de Janeiro; naturalmente
seriam logo estes os trechos mais freqüentados
destes primeiros portugueses; em outros lugares
só mais tarde se descobriu.
biblio Para facilitar os carregamentos, estabeleceram-se
feitorias, de preferência em ilhas; deviam
ser caiçaras ou cercas, próprias apenas
para guardarem os gêneros de resgates; algumas
sementes de além-mar podiam ser plantadas
à roda, e soltos alguns animais domésticos
de fácil reprodução. Uma feitoria
conservou-se no Rio durante alguns anos até
ser destruída pelos naturais, indignados
com o proceder do feitor e companheiros; entre as
plantações abandonadas entraria a
cana de açúcar, encontrada por Fernão
de Magalhães em 1519.
biblio No ano de 1513 uma armada de dois navios
estendeu muito o horizonte geográfico pela
zona temperada. Devassou, segundo um contemporâneo,
seiscentas e setecentas léguas de terras
novas; encontrou na boca de um caudaloso rio diversos
objetos metálicos; teve notícia de
serras nevadas ao Ocidente; julgou ter achado um
estreito e o extremo meridional do continente. O
capitão, talvez João de Lisboa, levou
para o reino um machado de prata, e este nome, apegado
ao soberbo rio, ainda hoje proclama a primazia dos
portugueses ao Sul, como o das Amazonas perpetua
a passagem dos espanhóis ao Norte.
biblio Com a viagem destes navios, armados por d.
Nuno Manuel e Cristóbal de Haro, coincidiu
o descobrimento do mar do Sul ou Pacífico,
por Vasco Nunes de Balboa.
biblio Os espanhóis apanharam a importância
destes sucessos, mandaram em 1515 procurar o estreito
anunciado pelos portugueses, e incumbiram João
Dias de Solis de ir pelo novo caminho às
espaldas das terras de Castela de Ouro. Solis foi
morto apenas desembarcou no rio da Prata; seus companheiros
voltaram sem detença para o Reino. Em 1520
Fernão de Magalhães explorou o grande
estuário meridional à procura do estreito
cobiçado afinal descoberto mais para o Sul,
e navegou pelo oceano Pacífico até
alcançar as famosas Molucas, as ilhas das
especiarias por excelência.
biblio Assim se cumpriu o plano de Colombo: chegar
ao Levante navegando sempre para o Ocidente. Acompanharam
Magalhães em sua expedição
incomparável João Lopes de Carvalho,
piloto da nau Bretoa, e um mamaluco, filho seu,
havido de uma índia do Rio de Janeiro.
biblio Pau-brasil, papagaios, escravos, mestiços,
condensam a obra das primeiras décadas.
biblio Da parte das índias a mestiçagem
se explica pela ambição de terem filhos
pertencentes a raça superior, pois segundo
as idéias entre elas ocorrentes só
valia o parentesco pelo lado paterno. Além
disso pouca resistência deviam encontrar os
milionários que possuíam preciosidades
fabulosas como anzóis, pentes, facas, tesouras,
espelhos. Da parte dos alienígenas devia
influir sobretudo a escassez, se não ausência
de mulheres de seu sangue. É fato observado
em todas as migrações marítimas,
e sobrevive ainda depois do vapor, da rapidez e
da segurança das travessias.
biblio Estes primeiros colonos que ficaram no Brasil,
degradados, desertores, náufragos, subordinam-se
a dois tipos extremos: uns sucumbiram ao meio, ao
ponto de furar lábios e orelhas, matar os
prisioneiros segundos os ritos, e cevar-se em sua
carne; outros insurgiram-se contra ele e impuseram
sua vontade, como o bacharel de Cananéia,
que se obrigou a fornecer quatrocentos escravos
a Diogo Garcia, companheiro de Solis, um dos descobridores
do Prata.
biblio Tipo intermédio apresenta-nos Diogo
Álvares, o Caramuru, que habitou na Bahia
de 1510 a 1557, data de seu falecimento.