IV
PRIMEIROS CONFLITOS
biblio
Com a chegada dos portugueses coincidiu quase, a dos
franceses, que começaram logo o mesmo comércio
de resgate. Na vastidão do litoral podiam ter
passado anos sem se encontrar, mas o encontro era
fatal, e não havia de ser amigável.
biblio Portugal considerava
a nova terra propriedade direta e exclusiva da coroa,
pelas concessões papais, pelo tratado de limites
concluído com a Espanha e pela prioridade do
descobrimento. O rei tirava porcentagem dos gêneros
levados para além-mar; os armadores queriam
auferir lucros de seus esforços e capitais.
biblio A presença
dos intrusos prejudicava-os a todos os respeitos:
nos mercados europeus, oferecendo os gêneros
a preços mais vantajosos, pois não tinham
quintos a deduzir, e levando-os diretamente aos mercados
consumidores, pois não eram obrigados a parar
em Lisboa; nas terras brasílicas, conciliando
as simpatias dos naturais, que os agasalhariam com
maior carinho, poupar-lhes-iam traições
e aleives, dariam preferência nos carregamentos
e se habituariam às mercadorias francesas.
Ainda por cima havia a questão de princípio:
Portugal não admitia que os filhos de outra
nação pusessem o pé em terras
suas no além-mar.
biblio Desde a Paraíba
ao Norte até S. Vicente ao Sul, o litoral estava
ocupado por povos falando a mesma língua, procedentes
da mesma origem, tendo os mesmos costumes, porém
profundamente divididos por ódios inconciliáveis
em dois grupos; a si próprio um chamava Tupiniquim,
e outro Tupinambá. A migração
dos Tupiniquins fora a mais antiga; em diversos pontos
os Tupinambás já os tinham repelido
para o sertão, como no Rio de Janeiro, na baía
de Todos-os-Santos, ao Norte de Pernambuco; em parte
de S. Paulo, em Porto Seguro e Ilhéus, nas
proximidades de Olinda; na serra de Ibiapaba havia,
entretanto, Tupiniquins habitadores do litoral.
biblio Porque os Tupinambás
se aliaram constantemente aos franceses e os portugueses
tiveram a seu favor os Tupiniquins, não consta
da história, mas o fato é incontestável
e foi importante; durante anos ficou indeciso se o
Brasil ficaria pertencendo aos Peró (portugueses)
ou aos Maïr (franceses).
biblio Ainda nos últimos
tempos de d. Manuel, começaram os protestos
contra a presença dos Maïr; com a acessão
de d. João III a situação agravou-se.
Reconhecida a inutilidade de embaixadas à corte
de França, e de promessas compradas a peso
de ouro e jamais cumpridas, o rei de Portugal resolveu
desforçar-se. Uma armada de guarda-costa veio
em 1527 ao Brasil comandada por Cristóvão
Jaques, que já estivera antes na terra e deixara
uma feitoria junto a Itamaracá, de volta de
uma expedição ao Prata. Desde Pernambuco
até a Bahia e talvez Rio de Janeiro, Cristóvão
Jaques deu caça aos entrelopos; segundo testemunhos
interessados, não conhecia limites sua selvageria,
não lhe bastava a morte simples, precisava
de torturas e entregava os prisioneiros aos antropófagos
para os devorarem. Mesmo assim ainda levou trezentos
prisioneiros para o Reino. Devia ter causado um mal
enorme aos franceses.
biblio As armadas de
guarda-costa eram simples paliativos; só povoando
a terra, cortar-se-ia o mal pela raiz. Cristóvão
Jaques ofereceu-se a trazer mil povoadores; oferecimento
semelhante fez João de Melo da Câmara,
irmão do capitão-mor da ilha de S. Miguel.
Indignava-se este vendo que até então
a gente que vinha ao Brasil limitava-se a comer os
alimentos da terra e tomar as índias por mancebas,
e propôs trazer numerosas famílias, bois,
cavalos, sementes, etc.
biblio Preferiu-se a
estas propostas práticas e razoáveis
aparelhar nova e mais poderosa armada às ordens
de Martim Afonso de Sousa, meio-termo entre armada
de guarda-costa e expedição povoadora.
Apenas alcançou a costa de Pernambuco, em janeiro
de 31, começou a faina de guarda-costa; em
poucos dias foram tomadas três naus francesas.
biblio Diogo Leite com
duas caravelas foi mandado de Pernambuco para a costa
de Este-Oeste, mais desconhecida então que
trinta anos antes, quando por elas passara Vicente
Yañez Pinzon. Com os outros navios, o capitão-mor
seguiu para o Sul. Demorou na baía de Todos-os-Santos,
na de Guanabara, em Cananéia; continuava para
o rio da Prata, e devia entrar em seus planos acompanhar-lhe
o curso, pois desde a Europa trazia desarmados bergantins
próprios para a exploração, quando
a perda da capitânea fê-lo arrepiar caminho
para o porto de S. Vicente. Aqui esperou o irmão,
Pero Lopes, que em seu lugar mandara às águas
platinas.
biblio Desde 1514 chegaram
à Europa, levados pela armada de d. Nuno Manuel,
os primeiros espécimes de metais preciosos,
encontrados nas águas do grande rio. Alguns
companheiros de Solis, escapos à sanha dos
índios, e depois tolerados, confirmaram estes
indícios vagos. Na Costa dos Patos alguns deles
falavam com entusiasmo em tais riquezas.
biblio Tais notícias
nos Patos ou no próprio rio, colheu-as Cristóvão
Jaques, cerca de 1522, e levou-as ao Reino. Na feitoria
de Itamaracá então fundada, cursavam
com tamanha insistência que, em 1526, Sebastião
Cabot, ouvindo-as ao aportar em Pernambuco, decidiu
logo navegar para Santa Catarina a ir tomar os náufragos
de Solis e realizar o descobrimento dos metais anunciados
com tanta certeza e insistência. Viera mandado
para as Molucas, mas sabia que se triunfasse ninguém
lhe lançaria em rosto o desvio, e tanto se
capacitou da realidade das minas que não hesitou
em transgredir as instruções mais restritas.
biblio Apesar do insucesso
final de Cabot, persistiu inabalável a crença
nos tesouros platinos; por isso quando, em Cananéia,
Francisco de Chaves, grande língua do gentio,
pediu gente para fazer uma entrada e prometeu voltar
no fim de dez meses com quatrocentos escravos carregados
de prata, Martim Afonso não conheceu hesitações.
biblio A idéia
parecia prática, pois dispensava de acompanhar
o litoral até a foz do Prata e subir por este
além da fortaleza fundada por Cabot para procurar
o Ocidente, onde tais tesouros existiam. O capitão-mor
deu quarenta besteiros e quarenta espingardeiros,
que sob as ordens de Pero Lobo partiram a 1 de setembro
de 1531. Morreram às mãos dos índios,
sabe-se vagamente. Pelo mesmo tempo, navegando o oceano
Pacífico, Francisco Pizarro alcançou
por caminho mais direto as terras dos Incas, procuradas
até então pelo lado cisandino.
biblio Depois da perda
da capitânea passou Martim Afonso a tratar da
segunda parte da sua missão: o povoamento da
terra. Em S. Vicente fundou a primeira vila, à
beira-mar; algumas léguas para o interior,
depois de transposta a serra do Mar, fundou segunda
vila, na borda do campo de Piratininga, à margem
de um rio cujas águas fluíam para o
Ocidente. “Repartiu a gente nestas duas vilas”,
escreveu Pero Lopes, “e fez nelas oficiais,
e pôs tudo em boa obra de justiça, de
que a gente toda tomou muita consolação,
com verem povoar vilas e ter leis e sacrifícios
e celebrar matrimônios e viverem em comunicação
das artes, e ser cada um senhor do seu e vestir as
injúrias particulares, e ter todos os outros
bens da vida segura e conversável”.
biblio A situação
geográfica destas vilas explica-se pela proximidade
das famosas riquezas cobiçadas, pela facilidade
de fazer as entradas, dez meses apenas para ir e voltar,
garantia Francisco de Chaves. Deslumbrado por tais
vantagens, Martim Afonso esqueceu-se dos franceses
ou julgou arredados os motivos para temê-los
depois da campanha energicamente conduzida por Cristóvão
Jaques e por ele continuada com tanto êxito
e vigor.
biblio Diogo de Gouveia,
português residente em França, seguia
desde muito o movimento dos negócios naquele
Reino e pensava de modo diverso. Em cartas e el-rei
dava-lhe notícias pouco tranqüilizadoras,
e instava por uma solução real. A solução
era não uma vila afastada da zona freqüentada,
mas diversos povoados na região apetecida do
pau-brasil. “Quando lá houver sete ou
oito povoações, concluía, estas
serão bastantes para defenderem aos da terra
que não vendam o brasil a ninguém e
não o vendendo as naus não hão
de querer lá ir para vir de vazio”.
biblio Dir-se-ia que
os franceses leram estas palavras previdentes. Até
então contentavam-se com o simples resgate,
quando muito alguma feitoria. Trataram agora de fundar
uma fortaleza, artilhada e com guarnição
numerosa. Só assim considerou a corte lusitana
“com quanto trabalho se lançaria fora
a gente que a povoasse, depois de estar assentado
na terra e ter nela feitas algumas forças,
como já em Pernambuco começava a fazer”.
biblio Estes fatos foram
conhecidos no Reino graças à nau La
Pèlerine, de Marselha, que, procedendo de Pernambuco
aonde deixara gente e artilharia, arribou a Málaga.
Achava-se no porto uma armada de Portugal, de 10 navios,
destinados a Roma; d. Martinho, embaixador, informado
da falta de mantimentos que obrigava a arribada, forneceu
trinta quintais de biscoutos aos franceses, e convidou-os
a navegarem de conserva até Marselha. A cinco
milhas de Málaga sobreveio calmaria; a pretexto
de concertar a derrota a seguir foram convidados o
capitão e o piloto de La Pèlerine para
vir a bordo da capitânea portuguesa e, logo,
presos, tomado o navio e remetido para Lisboa.
biblio Não foi
mais feliz a fortaleza galo-pernambucana. Pero Lopes,
terminada a exploração do Prata, e já
de viagem para a Europa, bombardeou-a durante dezoito
dias, e obrigou-a a render-se. Da guarnição
parte foi enforcada; outra, transferida ao Reino,
passou longos meses de cativeiro nos calabouços
do Algarve.