VI
CAPITANIAS DA COROA
biblio A morte de Francisco Pereira apenas se divulgou
no Reino devia convidar os políticos a meditar
sobre o sistema de colonização vigente.
biblio Sem dúvida satisfazia a alguns dos primitivos
intuitos que o inspiraram. As fortalezas espalhadas
pelo litoral estorvavam, se não suprimiam de
todo, o trato entre os indígenas e os entrepolos.
Os franceses, expulsos de Pernambuco, procuravam outros
pontos, e deles seria possível excluí-los
com o tempo. Iam nascendo filhos de portugueses, a
população crescia com a mestiçagem,
regularizava-se a produção e o comércio.
biblio Mas um vício constitucional minava o
organismo. Os donatários entravam para a empresa
com recursos próprios ou emprestados: se os
primeiros tempos corriam bem, a remuneração
natural permitia-lhes continuarem com mais eficácia;
no caso contrário perdia-se todo o esforço,
como sucedera a Pero de Góis, a Francisco Pereira,
a Antônio Cardoso, a João de Barros,
a Aires da Cunha, a Fernand’Álvares;
ou as capitanias vegetavam mofinas, como a dos Ilhéus,
Porto Seguro, Espírito Santo, Santo Amaro e
São Vicente.
biblio Acrescia que, sendo iguais os poderes dos donatários,
estando as capitanias na condição de
estados estrangeiros umas relativamente às
outras, impossibilitava-se qualquer ação
coletiva: os crimes proliferavam na impunidade, a
pirataria surgia como função normal.
As cartas de Duarte Coelho ilustraram de modo pungente
esta anarquia lastimosa. E a anarquia intercapitanial
conjugava-se com a anarquia intestina. Autoridades
e mais autoridades, leis claras, prescrições
restritivas havia: qual o meio de pô-las em
atividade e dar-lhes força? Como imobilizariam
os donatários em funções de governo
recursos que não sobejavam para misteres econômicos?
biblio O remédio preferido por d. João
III consistiu em tomar posse da capitania deixada
devoluta pela morte de Coutinho, com os recursos da
coroa estabelecer uma organização mais
vigorosa, criar um governo geral, forte bastante para
garantir a ordem interna e estabelecer a concórdia
entre os diversos centros de população.
biblio Rasgaram-se assim doações e forais,
onde só estavam previstos conflitos entre solarengos
e senhores hereditários, e só se fitava
equiparar a situação destes à
do rei contra os poderosos vassalos medievais. Os
poucos protestos dos interessados passaram desatendidos,
e em 1549, sem abolir de todo o sistema feudal, instituiu-se
novo regime.
biblio Constava de um capitão-mor, incumbido
da administração civil e militar, de
um provedor-mor, encarregado dos negócios da
fazenda, de um ouvidor-mor, chefe da justiça.
Exerciam a autoridade primariamente na Bahia; nas
outras capitanias tinham delegados; quando iam a qualquer
delas, competia-lhes conhecer de ação
nova; na ausência agiam só por meio de
recursos. Numerosos, excessivos oficiais distribuíam-se
por estes três ministérios ou desfrutavam
magras sinecuras.
biblio Acompanhado por quatrocentos soldados, seiscentos
degradados, muitos mecânicos pagos pelo erário,
partiu de Lisboa em fevereiro o primeiro governador,
Tomé de Sousa, com Pero Borges, ouvidor-geral,
Antônio Cardoso de Barros, procurador-mor da
fazenda, e aportou à baía de Todos-os-Santos
em fins de março de 1549.
biblio Saltando em terra tratou logo de escolher local
apropriado para a cidade que vinha fundar, de fortalecê-la
contra os ataques da gente de terra e construir os
edifícios mais urgentes.
biblio A gente ia desembarcando à medida que
se preparavam as acomodações. Caravelões
mandados a diversos pontos da costa, em constante
escambo com os naturais, traziam algum mantimento.
O peixe abundante variava os gêneros conservados
ou, mais provavelmente, avariados, procedentes de
Portugal. De Cabo Verde veio algum gado, para cuja
propagação o terreno provou admiravelmente.
Os pagamentos faziam-se em gêneros, principalmente
ferramentas e avelórios, que depois os interessados
permutavam entre si ou com os indígenas.
biblio Com estes elementos o governador impediu a
desordem na capital. O provedor-mor e o ouvidor-geral
em viagens continuadas pelas capitanias reprimiram
muitos abusos.
biblio Em companhia do capitão-mor vieram seis
jesuítas, os primeiros mandados a este continente,
sobre cujos destinos tanto deveriam mais tarde pesar.
Completaram harmonicamente a administração,
pois tanto como Tomé de Sousa ou Pero Borges,
o padre Manuel da Nóbrega obedecia ao sentimento
coletivo, trabalhava pela unidade da colônia,
e no ardor de seus trinta e dois anos achava ainda
pequeno o cenário em que se iniciava uma obra
sem exemplo na história.
biblio Seus esforços perdiam-se na indiferença
ou hostilidade dos outros eclesiásticos. Por
isto, com insistência e franqueza apostólicas
lembrava a el-rei a conveniência de mandar um
bispo, único meio de trazer ao aprisco as ovelhas
e conter os lobos. Criou-se um bispado; em junho de
52 chegou à diocese d. Pedro Fernandes Sardinha,
primeiro bispo do Salvador.
biblio Com o segundo governador, d. Duarte da Costa
(1553-1557), esteve em luta constante o velho prelado,
das lutas comuns em mais vasto, e inevitáveis
em tão acanhado teatro, dadas as relações
vigentes entre o poder civil e o poder eclesiástico.
A sociedade de Salvador cindiu-se ao meio, acirravam
paixões e cavavam ódios as pessoas de
maior responsabilidade, e a multidão ignara
atirou-se na refega, como se meras questiúnculas
de poderio representassem interesses vitais. Variando
apenas de forma, tais conflitos repetiram-se durante
os séculos seguintes. Só perderam importância
depois que as constituições modernas
eliminaram os resíduos da concepção
medieval das duas sociedades perfeitas.
biblio Os jesuítas, superiores e alheios a
este debate, concentraram seus esforços na
capitania de S. Vicente.
biblio Transpondo a serra do Mar, estabeleceram na
ribeira do Tietê uma primeira missão
que tomou o nome do apóstolo das gentes (25
de janeiro de 54).
biblio Levaram-nos a este passo a maior abundância
de alimentos no planalto, a presença de tribos
próprias à conversão por uma
índole mansa e, além do afastamento
dos portugueses, certas idéias vagas de penetração
entre os índios de Paraná e Paraguai.
O nome de S. Paulo, agora ouvido pela primeira vez,
devia ecoar poderosamente no futuro.
biblio Os franceses repelidos de Pernambuco por Duarte
Coelho, contidos ao centro pela cidade do Salvador
e mais vilas de baixo, afastaram-se dos lugares até
ali mais freqüentados e passaram à capitania
de Pero de Góis e terras vizinhas pertencentes
a Martim Afonso, onde por muitas léguas dominavam
os fiéis Tamoios, e existia pau-brasil em abundância.
biblioNavios avulsos, aventureiros conhecedores da
língua geral, identificados com os índios
a ponto de lhes não repugnar a iguaria da carne
humana, estabeleceram relações que,
se não impediram o progresso dos portugueses,
criaram-lhe sérios embaraços, e durante
23 [anos] trouxeram indecisa a vitória, e talvez
a decidissem contra Portugal se mais persistentes
foram seus adversários.
biblio Cumpria coordenar estes elementos. Lembraram-se
os franceses de um regime híbrido, com parte
dos capitais adiantada por particulares, parte fornecida
pelo rei que, entretanto, não se responsabilizaria
pela empresa e só a perfilharia em caso de
bom êxito.
biblioÀ frente da expedição colocou-se
Nicolas Durand de Villegaignon, notável pela
valentia e pelo saber. Partindo de Brest, chegou em
novembro de 55 ao Rio de Janeiro, seu destino. Estabeleceu-se
numa ilha da baía, posição esplêndida
contra os índios com cuja amizade contava,
imprópria pela falta de água a resistir
aos portugueses, cujos ataques poderiam tardar mas
não faltariam; com duas fortalezas formidáveis
armou-a; fez amado e querido dos indígenas
circunvizinhos o nome de Pay Colas; por mais de uma
vez recebeu imigrantes da Europa.
biblio Da assistência na ilha, pequena, rochosa,
sem água nativa, sugiram inconvenientes graves
para o sustento da guarnição, sujeita
assim aos caprichos dos Tamoios. A severidade puritana
do chefe descontentou a soldadesca. Os imigrantes
trouxeram questões religiosas para a comunidade.
O chefe teve de mostrar-se severo, talvez cruel. Chegaram
más notícias e sérias queixas
ao velho mundo, tolhendo as correntes simpáticas.
Afinal, desiludido do futuro imediato da colônia,
ou convencido de que sua presença excitaria
a tibieza e despertaria a confiança dos armadores
da metrópole, ou desejoso de entrar nos conflitos
muito mais brilhantes e gloriosos que se feriam além-mar,
Villegaignon retirou-se em 59 da França Antártica.
biblio Sucedeu-lhe seu sobrinho Bois le Comte, que
manteve a situação sem melhorá-la.
Como poderia fazê-lo? Para ser bem sucedidos
os franceses deviam ter vindo uns vinte anos antes,
quando os portugueses não tinham ainda criado
raízes. Era tarde agora. Mem de Sá,
à frente de uma armada, penetrando na baía,
precisou apenas de três dias de fogo nutrido
para desvanecer todos os castelos, em março
de 60.
biblio A vitória portuguesa foi realçada
por dois sucessos logo ocorridos nas capitanias de
Martim Afonso e Pero Lopes.
biblio Mem de Sá mudou a antiga vila de Santo
André, reunindo-a à missão jesuítica
de Piratininga. Por este ou outro motivo, os Tupiniquins
se insurgiram e puseram em cerco o povoado. Os catecúmenos
dos jesuítas declararam-se contra seus próprios
parentes, que foram repelidos, e não tornaram
mais. A favor dos portugueses bateu-se heroicamente
Martim Afonso Tibiriçá (julho de 62).
biblio No ano seguinte Nóbrega pôde realizar
o plano longamente amadurecido de entabular pazes
com os Tamoios, que navegando pela Bertioga traziam
em contínuo sobressalto os moradores de Santo
Amaro e de S. Vicente. Em companhia de José
de Anchieta, jovem jesuíta vindo com d. Duarte
da Costa, e já muito conhecedor da língua
geral, embarcou para Iperoig, nas cercanias da hodierna
Ubatuba, e depois de alguns meses de assistência
dramática, em que mais de uma vez a vida de
ambos correu perigo, lograram o almejado escopo (setembro
de 63).
biblio Desafrontado o sertão, desoprimida a
marinha do Norte, o povo da capitania pôde auxiliar
Estácio de Sá, mandado em 64 à
conquista do Rio, dominado ainda pelos inimigos de
aquém e além-mar, sem embargo da vitória
recente.
biblio Com os navios e gente levados da Bahia, com
índios tomados no Espírito Santo, canoas
e auxiliares colhidos em S. Vicente, Estácio
começou a fundar a cidade de São Sebastião
em 1 de março de 65.
biblio Ao contrário de Villegaignon, estabeleceu-se
em terra firme, logo à entrada da barra, com
a frente para o levante. Juntamente com a cerca artilhada,
começou as plantações, sem se
fiar nos mantimentos que poderiam vir das capitanias.
Mesmo assim curtiu bravas fomes. Multiplicaram ciladas
e surpresas os índios do recôncavo; duas
vezes o atacaram naus francesas reunidas aos Tamoios
de Cabo Frio. O jovem herói resistiu durante
dois anos; se não consumou avanços consideráveis,
enfraqueceu bastante as forças dos aliados,
de modo que à chegada do seu tio Mem de Sá,
com fortes socorros, dois combates, um em Ibiraguaçu-mirim
(morro da Glória?), outro na ilha de Paranapecu,
mais tarde chamada do Governador, bastaram para tornar
definitivo o domínio dos portugueses.
biblio Tendo Estácio de Sá sucumbido
às conseqüências de ferimentos recebidos
em combate, o governador seu tio demorou mais de um
ano na cidade, transferiu-a mais para dentro da baía,
para o morro agora chamado do Castelo, que muniu de
fossos, cercou de muros, enriqueceu de edifícios,
como cumpria a uma cidade real (1567-1568). Ficou
esta sendo a segunda capitania da coroa, conquanto
pelos termos da carta de doação devesse
pertencer a Martim Afonso.
biblio Outras guerras houve por este tempo no Espírito
Santo, em Porto Seguro, nos Ilhéus, na Bahia,
cujos índios ficaram sujeitos desde Camamu
até Itapecuru, distância de quarenta
léguas.
biblio Com a derrota dos naturais de Paraguaçu
e Ilhéus destruiu-se o que poderíamos
chamar uma marca da língua geral, e irromperam
os Tapuias, até então sopeados. Ninguém
lucrou com a substituição: “os
Aimorés, homens robustos e feros, andam sempre
pelo mato, no qual bastam quatro para destruir um
grande exército”, geme um contemporâneo.
Só no século seguinte se remediou o
mal.
biblio Estes feitos bélicos não constituem
todo o governo de Mem de Sá, homem da toga,
desembargador da casa da Suplicação.
Entre todos seus serviços sobreleva o auxílio
prestado a Nóbrega para realizar a obra das
missões.
biblio Esgotaria todos os préstimos dos Brasis
fornecerem matéria prima para a mestiçagem
e para os trabalhos servis, meras máquinas
de prazer bastardo e de labuta incomportável?
Se não com palavras, isto afirmavam os colonos
de modo menos ambíguo por atos repetidos em
pertinácia invariável. Ora, os jesuítas
representavam outra concepção da natureza
humana. Racional como os outros homens, o indígena
aparecia-lhes educável. Na tábua rasa
das inteligências infantis podia-se imprimir
todo o bem; aos adultos e velhos seria difícil
acepilhar, poderiam, porém, aparar-se arestas,
afastando as bebedeiras, causa de tantas desordens,
proibindo-lhes comerem carne humana, de significação
ritual repugnante aos ocidentais, impondo quanto possível
a monoginia, começo de família menos
lábil. Para tanto cumpria amparar a pobre gente
das violências dos colonos, acenar-lhe com compensações
reais pela cerceadura de maus hábitos inveterados,
fazer-se respeitar e obedecer, tratar da alimentação,
do vestuário, da saúde, do corpo enfim,
para dar tempo a formar-se um ponto de cristalização
no amorfo da alma selvagem. Tal a idéia de
Nóbrega, representada essencialmente pela Companhia
de Jesus nos séculos de sua fecunda e tormentosa
existência no Brasil. Já o tentara em
Piratininga; podia agir com mais eficácia agora,
escudado pelo governador-geral.
biblioAs primeiras missões estabelecidas à
roda da baía de Todos-os-Santos ficavam em
ponto cuidadosamente escolhido, perto do mar para
os índios se poderem manter com suas pescarias,
e perto das matas para poderem fazer seus mantimentos;
reuniam-se numa várias aldeias, sujeitas a
um só chefe ou meirinho, reconhecido pelos
padres como o mais capaz de colaborar nesta obra de
depuramento, e nela residiam um padre e um irmão,
que a tudo superintendiam. A vida nas missões
resume-a assim um jesuíta contemporâneo:
“Ensinam-lhes os padres todos os dias pela manhã
a doutrina, esta geral, e lhes dizem missa, para os
que a quiserem ouvir antes de irem para suas roças;
depois disso ficam os meninos na escola, onde aprendem
a ler e escrever, contar e outros bons costumes, pertencentes
à polícia cristã; à tarde
tem outra doutrina particular a gente que toma a Santíssimo
Sacramento. Cada dia vão os padres visitar
os enfermos com alguns índios deputados para
isso; e se têm algumas necessidades particulares
lhes acodem a elas; sempre lhe ministram os sacramentos
necessários... O castigo que os índios
têm é dado por seus meirinhos feitos
pelos governadores e não há mais que
quando fazem alguns delitos, o meirinho os manda meter
em um tronco um dia ou dois, como ele quer; não
tem correntes nem outros ferros da justiça...
Os padres incitam sempre aos índios que façam
sempre suas roças e mais mantimentos, para
que, se for necessário, ajudem com eles aos
portugueses por seu resgate, como é verdade
que muitos portugueses comem das aldeias, por onde
se pode dizer que os padres da Companhia são
pais dos índios, assim das almas como dos corpos”.
biblio Começada em 58, a obra das missões
tomou um desenvolvimento rápido nos anos seguintes,
principalmente no provincialato de Luís da
Grã. Com a mesma rapidez decaíu, sobretudo
em conseqüência do fato, misterioso e até
agora inexplicável, que condena ao desaparecimento
os povos naturais postos em contacto com os povos
civilizados. Nem por isso foi abandonada a empresa
que com vário sucesso aturou até meados
do século XVIII.
biblio Em Pernambuco acelerava-se por esse tempo o
movimento para a fronteira meridional no rio S. Francisco.
Durante a menoridade de Duarte de Albuquerque Coelho
(1554-1560), seu tio Jerônimo de Albuquerque
franqueou a vargem do Capibaribe. O jovem donatário
e Jorge, seu irmão, vindo de Portugal para
o Brasil, conquistaram as terras do cabo de Santo
Agostinho e as de Serinhaém. Nas do cabo fundou
oito engenhos João Pais Barreto, tronco de
família numerosa ainda existente. Seguiram-se
guerras pelo interior a pretexto de minas, mas realmente
inspiradas pelo desejo de cativar escravos. Nelas
figurou Antônio de Gouveia, clérigo epiléptico,
sujeito a visões, que pretendia conversar familiarmente
com o diabo, em nem um lugar podia estar sossegado,
a ponto de fugir até das prisões do
Santo Ofício, e era tido e tinha-se por nigromántico.
Dava-se por entendido em minas esta sinistra ave de
arribação, lembrada na imaginação
popular com o nome de Padre do Ouro. Por sua causa
diz-se que Duarte de Albuquerque Coelho foi preso
para o Reino. Antônio de Salema veio a Pernambuco
abrir devassa com alçada sobre este e outros
negócios.
biblio Com a morte de Mem de Sá, em março
de 72, pareceu conveniente dividir o Brasil em dois
governos, sujeitos às cidades reais do Salvador
e de S. Sebastião.
biblio Luís de Brito de Almeida pretendeu passar
além do rio Real e incorporar Sergipe. Já
os Jesuítas tinham preparado o terreno para
a penetração pacífica por meio
de missões, mas a cobiça dos colonos
e as manhas de alguns mamalucos tudo arruinaram.
biblio No Rio, Antônio Salema, auxiliado pelo
capitão-mor de S. Vicente, deu guerra aos índios
de Cabo Frio e pacificou o território entre
a cidade de S. Sebastião e Macaé, distância
de trinta léguas na estima do tempo. Foram
mortos muitos dos Tamoios, escravizados não
poucos, e alguns incorporados aos aldeamentos jesuíticos.
Quem pôde emigrou para o sertão. Os franceses
desta feita receberam um golpe de que não puderam
mais recobrar inteiramente.
biblio Apareceram várias tentativas de procurar
pedras preciosas, principalmente na Bahia ao Espírito
Santo. Sebastião Tourinho e outros varam a
serra do Espinhaço, em busca de esmeraldas.
Em S. Vicente ocupa-se Brás Cubas na pesquisa
de minas. Nada produziram de sólido tais esforços.
Mais importante que eles é o desaparecimento
dos índios, trazendo como conseqüência
o aumento da importação africana.
biblio “A gente que de vinte anos a esta parte[1583]
é gastada nesta Bahia, parece cousa que se
não pode crer; porque nunca ninguém
cuidou que tanta gente se gastasse nunca, quanto mais
em tão pouco tempo”, escreve um jesuíta.
“Porque nas quatorze aldeias que os padres tiveram
se juntaram 40.000 almas, estas por conta e ainda
passaram delas, com a gente com que depois se forneceram,
das quais se agora as três igrejas que ha tiveram
3.500 almas será muita.
biblio “Há seis anos que um homem honrado
desta cidade e de boa consciência e oficial
da câmara que então era, disse que eram
descidos do sertão de Arabó naqueles
dois anos atrás 20.000 almas por conta, e estes
todos vieram para a fazenda dos portugueses. Estas
20.000 com as 40.000 das igrejas fazem 60.000. De
seis anos a esta parte sempre os portugueses desceram
gente para suas fazendas, quem trazia 2.000 almas,
quem 3.000, outros mais, outros menos. Veja-se de
dois anos a esta parte o que isto podia somar, se
chegam ou passam de 80.000 almas.
biblio “Vão ver agora os engenhos e fazendas
da Bahia, achá-los-ão cheios de negros
de Guiné e mui poucos da terra, e se perguntarem
por tanta gente, dirão que morreu. Donde bem
se mostra o grande castigo de Deus dado por tantos
insultos como são feitos e se fazem a estes
índios, porque os portugueses vão ao
sertão e enganam a esta gente, dizendo-lhes
que se venham com eles para o mar e que estarão
em suas aldeias como lá estão em sua
terra e que seriam seus vizinhos. Os índios
crendo que é verdade vêm-se com eles
e os portugueses por se os índios não
arrependerem lhes desmancham logo todas as suas roças
e assim os trazem, e chegando ao mar os repartem entre
si, uns levam as mulheres, outros os maridos, outros
os filhos e os vendem”.
biblio Por que insistiam os colonos em apossar-se
de uma fazenda, cuja pouca valia a cada passo se devia
patentear de modo menos inequívoco?
biblio Já sofriam de um achaque ainda hoje
observado a todos os momentos entre seus descendentes:
a incapacidade de formar convicção firme
sobre um assunto e por ela pautar seus atos. Acresce
que os escravos indígenas com todos esses percalços,
auxiliavam extraordinariamente aos que começaram
a vida nestas terras... E a primeira coisa que pretendem
adquirir são escravos, para neles lhes fazerem
suas fazendas, informa Gandavo; e se uma pessoa chega
na terra a alcançar dois pares, ou meia dúzia
deles (ainda que outra cousa não tenha de seu)
logo tem remédio para poder honradamente sustentar
sua família: porque um lhe pesca, e outro lhe
caça, os outros lhe cultivam e grangeiam suas
roças e desta maneira não fazem os homens
despesa em mantimentos nem com eles, nem com suas
pessoas.