O Dialeto Caipira - Amadeu Amaral
Fonte: O Dialeto Caipira - Amadeu Amaral - Obras de Amadeu Amaral - 4.ª edição - Editora Hucitec/INL-MEC - 1982

NOTAS

(1) "Ele (o Marques de S. Vicente, Pimenta Bueno) tinha" vícios desagradáveis de pronuncia, não determinados por defeitos de organização dos órgãos da voz, mas por desmazelados e maus costumes, trazidos da segunda infância, que nunca pensou depois em corrigir, e mais tarde isso lhe foi impossível: dava ao l o som de r, pecava em outras pronúncias; mas, ainda assim falando na tribuna, impunha silencio, obrigava a atenção..." (Joaquim M. de Macedo).

(2) "Cantada" se lhe chama vulgarmente; mas é preciso notar que apesar disso é muito menos musical do que aquela que não é assim qualificada. A prosódia portuguesa é mais musical, porque comporta muito maior variabilidade de ritmos, de inflexões e modulações, destinados, já a pôr em relevo todo o valor dos termos empregados, já a dar a fala o colorido das emoções que a acompanham. O sr. Said Ali, no livro "Dificuldades da Língua Port.", cap. I, dedica a este assunto um interessante e valioso estudo,

(3) Veja-se o notável trabalho do sr. professor Said Ali - "Dificuldades da Língua Port.", cap. II.

(4) Em português há dois sons de s: o reverso, "produzido com o bordo anterior da ponta da língua na parte interna das gengivas dos incisivos superiores" (é o s final de sílaba, como em mês) e o apical, produzido "com o ápice da língua nas gengivas dos incisivos superiores" (s = ç. como em passo, faço, saber, sapato). Esta é a classificação do sr. Ribeiro de Vasconcelos na sua Gram. Port. No Brasil também se distinguem dois sons de s, embora o seu modo de produção, e portanto os seus valores, não sejam exatamente os mesmos que em Portugal. Para o caipira e, em geral para os paulistas, só há um s, o s = ç, quer modifique voz anterior, quer posterior: çaber, çapato, caçtigo; e o modo de produção desse som, que corresponde ao apical português, difere sensivelmente do deste, como se vê pela descrição que fazemos no texto e pela que faz o sr. Vasconcelos.

(5) É claro que não fazemos questão da denominação, que poderá ser substituída por outra qualquer; aqui só nos interessa o fato. - Ao r port. chama-lhe o sr. Ribeiro de Vasc. ancípite reverso.

(6) ch expl. - "... não existe como som corrente (em Port.) senão no Centro e ao Norte; no Sul, é esporádico", diz o sr. Leite de Vasc. ("Esquisse").

(7) "Tal é a pronunciação das palavras que escrevemos com lh que... nem... a podem pronunciar por suas letras... os Árabes e os Mouros da África, com tormento". (Duarte N., "Origem").

(8) O motivo da aparição deste i é que, como observa De Gregório ("Glottologia", cap. III) "dopoché emeitiamo una vocale qualunque. e senza interrompere la corrente di aria rimettiamo la lingua a suo posto, la comparsa di i dovrá naturalmente seguire".

(9) Leite de Vasconcelos, "Textos arcaicos", glossário.

(10) V. estas formas no Vocabulário.

(11) Poderiam distinguir-se ainda os arcaísmos que correspondem a formas intermediárias regulares, como eigreja, e os arcaísmos que apenas representam modificações acidentais, como acupar.

(12) Na grafia das palavras indígenas adotamos aqui as seguintes regras principais: - dispensar o acento nos oxítonos em u e i, visto que são agudos todos os vocábulos que terminam com essas vogais; - substituir q por c quando se segue u sonoro (Caçacuera); - substituir h por acento agudo nos hiatos; - obedecer de preferência à pronuncia corrente do povo (Voturantim e não Votorantim, jabuticaba e não jaboticaba); - substituir y final por i (pari). Contra esta última grafia objetam alguns que seria bom conservar o y porque essa letra corresponde ao sons do ü alemão, lombardo e francês, existente no tupi. Entretanto, já ninguém faz, nem saberia fazer sempre distinção entre as palavras indígenas que tinham o som de i e as quis tinham o som de ü. Demais, vocábulos há em que o som tupi se mudou em u. Por que não inventar também uma distinção para esse u proveniente de ü?

(13) O mesmo sr. Teodoro Sampaio cita no seu livro diversos vocábulos portuguesíssimos, nos quais a fantasia de etimologistas apressados quis lobrigar material indígena; tais, entre outros, Jurumenha e Mecejana.

(14) Por causa destas flutuações, acontece que alguns coletores de termos apanham apenas uma ou duas das formas de um vocábulo, quando seria muito interessante, para o estudo fonético e etimológico, conhecerem-se todas as que ocorrem. Outras vezes apanham em diferentes ocasiões duas ou mais formas do mesmo vocábulo, sem defini-las claramente, e assim passam elas a figurar nos léxicos como palavras distintas. O dicionário do sr. Cândido de Figueiredo, onde o autor se esforçou por juntar o maior numero de brasileirismos, recorrendo a quantas contribuições pôde haver às mãos, depara-nos freqüentemente a mesma palavra sob diversas formas. - ou então as mesmas formas sob as enganadoras vestimentas de grafias diversas. Por exemplo:

"CATOCAR, v. t. - dar sinal a, tocando com o cotovelo, com o pé ou com a mio; chamar a atenção de. (De um pref. arbitrário e tocar).

CUTUCAR, v. t. - tocar levemente com o dedo, ou com o cotovelo, para chamar a atenção; acotovelar. (Do tupi cutuca.)"

(As mesmas formas acima se encontram escritas catucar. cotucar e há ainda tatucar e tutucar).

"CORIMAN, peixe do Tocantins.

CURIMAN, peixe de água doce.

CORIMATAN, saboroso peixe do Tocantins.

CRUMATÁ, peixe de água doce.

CURIMATÁ, espécie de salmão".

(Em S. Paulo há curimbatá, curumbatá, etc., que não figuram na edição de 1889, a que nos reportamos no momento).

(15) Estes termos encontram-se no R. G. do Sul, no Uruguai, na Argentina: - chacra, guaiava (goiaba), guaiaca e pampa, sob formas idênticas; a garôa corresponde lá garúa; a purungo, porongo; iopa existe no Rio Grande sob a forma ilhapa.

(16) Pareia = parelha, de "pareja"; pareiêro = parelheiro, de "parejero".

(17) Está entendido que o r final não se pronuncia (Fonética. 23).

(18) Incluímos aqui diversos vocábulos que. embora coincidam em formas portuguesas conhecidas e correntes. foram entretanto espontaneamente derivados, entre nós, de temas idênticos ou semelhantes. Assim:

BOLEAR - v. trans.: deitar por terra (pessoa ou animal). Expressão tirada do emprego das bolas, aparelho usado para pegar animais nos campos de criação do sul do Brasil.

BOBEAR - v. trans.: enganar, fazer de bobo (alguém).

CHIFRAR - v. trans.: marrar. Derivado de chifre.

DESCABEÇAR - v. trans.: limpar (um terreno) de touceiras e tocos.

GRAMAR v. trans.: cobrir de grama plantada (um terreno).

MANTEAR - v. trans.: iludir (alguém) em negócio, especialmente em barganha. Condensação da frase proverbial "passar a manta".

CAMPEIRO - subst.: homem que lida com animais no campo.

(19) Só há uma dificuldade. Tanto em S. Paulo, como no Norte, há quem tenha registado, em vez do infinitivo, a forma da 3.ª pes. do sing., na combinação de que se trata. Assim, - em vez de virá-virando, seria víra-virando. Não temos, presentemente, meios de verificar a realidade com segurança. Se, porém, as nossas reminiscências não nos enganam, sempre temos ouvido estes verbos como as descrevemos. Cornélio Pires, notável observador do dialeto, assim mesmo os grafa nos seus contos regionais: "...foi simbora pra drento pendê-pendeno..." A confusão, em que julgamos terem caído os que registam a outra forma, proveio, de certo, de que a aglutinação dos dois elementos torna muito leve, e às vezes dificilmente perceptível, o acento tônico do primeiro, - acento esse que passa a ser secundário.

Ainda uma razão a nosso favor: se o primeiro elemento fosse a forma da 3.ª pessoa, pouco compreensível seria que a combinação se aplicasse a qualquer das outras pessoas, como se aplica. O caipira tanto diz - ele vinha caí-caindo, como eu vinha caí-caíndo. Cái-caindo seria excessiva teratologia.

 

AUTORES E OBRAS CITADOS EM ABREVIATURAS

A. FRANCO - Pe Antônio Franco: "Vida do Padre Manoel da Nóbrega.
AFR. PEIXOTO - Afrânio Peixoto: "Fruta do Mato". Rio.
A. DELF. - Aldo Delfino: "José Miguel", novela.
A. S. - Adão Soares: contos publicados na revista "A.B.C.". Sorocaba.
A. SiLVEIRA - Agenor Silveira: "Versos de bom e mau humor". Santos.
AD. COELHO - Adolfo Coelho: "A Língua Portuguesa".
AF. TAUN. - Afonso d'E. Taunay: "Léxico de lacunas". S. Paulo.
ANCHIETA - Pe José de Anchieta.
ARRAIZ - Frei Amador Arraiz. "Diálogos".
B. - R. - Visc. de Beaurepaire - Rohan: "Dicionário de Vocábulos Brasileiros". Rio
B. CAET. - Batista Caetano de Almeida Nogueira: "Apontamentos sôbre o Abañeenga".
B. RODR. - J. Barbosa Rodrigues: "Vocabulário indígena comparado".
CAMILLO - Camilo Castelo Branco: obras.
CAMÕES - Luís de Camões: "Os Lusíadas".
CAM. - Pero Vaz Caminha: carta ao rei de Portugal sobre o descobrimento do Brasil.
C. DA F. - Carlos da Fonseca: contos.
C. P. - Cornélio Pires: "Quem conta um conto..." - "Musa Caipira". S. Paulo.
C. RAMOS - Hugo de Carvalho Ramos: "Tropas e Boiadas", contos. Rio.
COUTO DE M. - General Couto de Magalhães: Nas "Conferências anchietanas". S. Paulo.
CARDIM - Fernão Cardim: "Do princípio e origem dos Índios do Brasil".
CAT. - Catulo da Paixão Cearense: "Meu Sertão". Rio.
CHERM. - Vicente Chermont de Miranda: "Glossário paraense -. Coleção de vocábulos peculiares à Amazônia e especialmente a Ilha do Marajó".
D. NUNES - Duarte Nunes do Lião: "Origem e Ortografia da Língua Portuguesa".
DOM J. DE CASTRO - Dom João de Castro.
D. ALEX. - Dona Alexina de Magalhães Pinto: "Provérbios populares. máximas e observações usuais", etc. Rio.
E. KRUG - Engenheiro Edmundo Krug: "A Superstição Paulistana", conferência. S. Paulo.
FERREIRA - Antônio Ferreira:- "Castro".
F. M. PINTO - Fernão Mendes Pinto: "Peregrinações".
F. ELÍSIO - Filinto Elísio: "Arte Poética".
F. J. FREIRE - Francisco José Freire: "Reflexões sobre a Língua Portuguesa".
FERN. LOPES - Fernão Lopes: Crônicas.
GARC., GARCIA - Rodolfo Garcia: "Vocabulário de Brasileirismos. (Peculiaridades pernambucanas)".
G. P. DE CASTRO - Gabriel Pereira de Castro: "Ulisséia".
G. RANGEL - Godofredo Rangel: escritos esparsos.
G. VIANA - A. R. Gonçalves Viana: "Palestras filológicas". Lisboa.
GARCIA DE REZ - Garcia de Rezende: Crônicas - "Cancioneiro".
GIL V. - Gil Vicente: obras, edições Mendes dos Remédios e de 1852.
G. DIAS - Gonçalves Dias: "Dicionário da Língua Tupi". - Relatório sobra a Exposição Universal de Paris.
GRANADA - Nicolas Granada: "Cartas gaúchas". Buenos Aires.
GREG. DE M. - Gregório de Matos: Poesias.
HERCULANO - Alexandre Herculano: Obras.
H. P. - Huascar Pereira: "As Madeiras do Estado de S. Paulo", 6.ª ed. S. Paulo.
J. DE BARROS - João de Barros. "Décadas".
J. MOR. - Júlio Moreira" "Estudos filológicos".
J. J. NUNES - José Joaquim Nunes: "Crestomatia arcaica".
J. BRÍGIDO - João Brígido: "Ceará". Rio.
J. RIB. - João Ribeiro: "O Fabordão" - "Selecta clássica" - "Frases feitas" -"O Folk-lore".
LASS - J. A. de Lassance Cunha: "O Rio Grande do Sul". Rio.
L. DE O. - Leôncio de Oliveira: "Vida roceira". S. Paulo.
L. GOMES - Lindolfo Gomes: "Contos populares e cantigas de adormecer". Juiz de Fora.
L. M. VASC. - José Leite de Vasconcelos: "Lições de Filologia" - "Textos arcaicos" - "Emblemas de Alciati" - "Esquisse d'une dialectologíe portugaise" - etc.
LUCENA - Padre João de Lucena: "Vida de S. Francisco Xavier".
M. A. DE ALM. - Manuel A. de Almeida: "Memórias de um Sargento de Milícias".
MAC. SOARES - Macedo Soares: "Dicionário Brasileiro".
M. DE S. PINTO - Manuel de Sousa Pinto: "Dom João de Castro".
MONS. DALG. - Monsenhor Sebastião Rodolfo Dalgado: "Gonçalves Viana e a Lexicologia portuguêsa de Origem asiático-africana". Lisboa.
MONT. - Padre Antônio Ruiz de Montoya: "Gramática y Dicionários de la Lengua Tupi ó Guarani".
M. nos REM. - Mendes dos Remédios: diversas edições de obras antigas.
M. L. - Monteiro Lobato: "Urupês". S. Paulo.
NÓBREGA - Padre Manuel da Nóbrega: Cartas do Brasil.
OT. MOTTA - Othoniel Motta: escritos esparsos.
PAIVA - Manuel José de Paiva (Silvestre S. da Silveira e Silva): "Infermidades da Língua".
R. V. I. - Rodolpho von Ihering: Notas fornecidas ao A.
ROMAG - J. Romaguera Correia: "Vocabulário Sul-Rio-Grandense".
RUB - Braiz da Costa Rubim: "Vocabulário Brasileiro". Rio.
RUI DE PINA - Rui de Pina: - "Crônica de D. Duarte", ed. de Alfredo Coelho de Magalhães.
S. DE MIR. - Sá de Miranda: Obras.
S. L. - S. LOPES - Simões Lopes Neto: "Contos gauchescos" - "Cancioneiro guasca".
T. SAMPAIO - Teodoro Sampaio: "O Tupi na Geografia Nacional".
TAUN., TAUNAY - Visconde de Taunay: "Inocência" - "Céus e Terras do Brasil".
V. S. - Valdomiro Silveira: Contos esparsos. S. Paulo.
VIT. - Frei Joaquim de Santa Rosa de Viterbo: "Elucidário"
VIEIRA - Padre Antônio Vieira: "Sermões".
ZOROB. RODRIGUES - Zorobabel Rodrigues: "Dicionário de chilenismos".
* * *
"INOC" -- "Inocência", Taunay.
"CRON. DO COND." - "Crônica do Condestabre de Portugal Dom Nuno Alvares Pereira", ed. de Mendes dos Remédios.
"CRON. DO INF. SANTO" - Crônica do Infante Santo", ed. de Mendes dos Remédios.
"Novo Dic." - "Novo Dicionário", por Cândido de Figueiredo.
"EUFROS." - "Comédia Eufrosina", de Jorge Ferreira de Vasconcelos.
"FOGUETÁRIO" - por Pedro de Azevedo Tojal, ed. Mendes dos Remédios.
"S. PAULO ANTIGO" - por Antônio Egídio Martins. S. Paulo.
"REV. DO BR." - "Revista do Brasil". S. Paulo.
"REV. Lus." - "Revista Lusitana"
"REV. DA LÍNG. PORT." - "Revista da Língua Portuguesa".
NOTA - Vários nomes e obras, citados com suficiente clareza, não foram incluídos nesta lista.

 

OUTRAS ABREVIATURAS E ALGUNS SINAIS

Amaz. - Amazônia.
Br. - Brasil.
Esp. Santo - Espírito Santo.
Mar. - Maranhão.
M. Grosso - Mato Grosso.
Pernamb. - Pernambuco.
Par. do N. - Paraíba do Norte.
Port. - Portugal.
R. G. do S. - Rio Grande do Sul.
R. G. do N. - Rio Grande do Norte.
S. P. - São Paulo.
Cp. - Comparai.
V. - Vede.
+ - mais.
= - igual a.
<- - A palavra para a qual está voltada a seta provém da que está do outro lado desse sinal.
-> - Vale o mesmo que a seta.
Em alguns lugares, devido a falta de letras com til, a não ser a e o, emprega-se em vez desse sinal uma ".

COLABORADORES

O Autor aqui regista. com os seus cordialíssimos agradecimentos, os nomes dos srs.:

Alberto Faria
Valdomiro Silveira
Rodolfo von Ihcring
Bento Pereira de Arruda
Filinto Lopes
Cornélio Pires e
Manuel Lopes de Oliveira Filho

que amavelmente o auxiliaram com valiosas informações, notas e advertências.

NOTA DA BIBLIOTECA VIRTUAL

O original que utilizamos, apesar de publicado em 1982, mantinha a ortografia da edição de 1953. Para a atualização ortográfica, utilizamos o seguinte critério:
1. citações, vocábulos do glossário, palavras em negrito ou itálico foram mantidas como no original.
2. atualizada a ortografia do texto restante.

SP, 17/04/2001